O aprimoramento da prestação jurisdicional de primeira instância em Santa Catarina passa pelo enfrentamento de problemas que vão muito além da eventual substituição do sistema de automação judicial, como, por exemplo, a falta de magistrados, a insuficiência de servidores e a precária estrutura de muitas comarcas catarinenses, quadro que, principalmente no interior do Estado, muitas vezes se apresenta "caótico" e torna o trabalho dos operadores do Direito muito difícil.
O diagnóstico acima é do presidente da seccional estadual da Ordem dos Advogados do Brasil, Paulo Marcondes Brincas, um dos principais articuladores do movimento que levou a própria OAB/SC a sugerir ao presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Rodrigo Collaço, a realização de testes com o sistema e-proc, utilizado pela Justiça Federal, o que deverá acontecer em breve, conforme antecipou Collaço em entrevista exclusiva ao Portal JusCatarina veiculada no último final de semana.
A iniciativa veio depois que o Conselho Pleno da OAB/SC e o Colégio de Presidentes de Subseções aprovaram, já no ano passado, solicitação para que o presidente do TJSC iniciasse estudos para verificação da possibilidade de adoção, pelo Judiciário catarinense, do sistema de processo eletrônico do TRF-4.
Embora reconheça como importante a iniciativa do atual mandatário do Poder Judiciário, Brincas alerta que é preciso ir além. Confira a entrevista concedida ao Portal JusCatarina nesta segunda-feira(12).
JusCatarina - Em dezembro do ano passado o Conselho Pleno da OAB/SC aprovou, por unanimidade, solicitação para que o presidente do TJSC iniciasse estudos para verificação da possibilidade de adoção, pelo Judiciário catarinense, do sistema de processo eletrônico e-proc, do TRF-4. Essa é, atualmente, a principal demanda da advocacia catarinense?
Palo Brincas - Essa é a posição da OAB/SC, seja pelo seu Conselho Estadual ou pelo Colégio de Presidentes de Subseções, que também pautou e debateu o assunto. É difícil falar em uma principal demanda. Mas essa é, sem dúvida, uma das mais importantes. Isso porque nós entendemos que a maior urgência hoje é a questão da melhora na prestação jurisdicional na Justiça Estadual de primeiro grau. A situação nessa instância é caótica. Os problemas vão desde as dificuldades no sistema eletrônico e-SAJ, passando pela falta de funcionários, falta de juízes e falta de estrutura. O resultado disso tudo é que o exercício da advocacia, principalmente no interior do Estado, se torna muito difícil. Então a nossa principal reivindicação diz respeito à Justiça Estadual de primeiro grau em todos os aspectos, inclusive nessa questão do processo eletrônico.
JusCatarina - Em entrevista ao Portal JusCatarina, o presidente do TJSC, desembargador Rodrigo Collaço, anunciou a implantação de uma ?vara-piloto? com o e-proc, atendendo a solicitação da OAB/SC. Qual a sua expectativa?
Paulo Brincas - A nossa expectativa é a melhor possível. Temos ouvido muitos profissionais da advocacia em todo o estado nesses dois anos de gestão. Posso dizer que a preferência pelo sistema eletrônico em funcionamento na Justiça Federal, o e-proc, é quase unânime. O sistema da Justiça Estadual, o e-SAJ, tem dado muita dor de cabeça. A instabilidade em alguns casos chega a assustar. No ano passado, em apenas um mês, contabilizamos 14 dias de interrupção nos serviços. É preciso entender que toda a justiça catarinense depende do seu correto funcionamento. E que durante o período em que esse sistema cai ou está fora do ar, o Poder Judiciário está parado como um todo e as consequências podem ser sérias. Por isso nossa reivindicação é tão importante. Além disso, a operação do e-proc pelo usuário é muito mais intuitiva, agradável e simples do que a operação do e-SAJ. E, não menos relevante, o último é propriedade de uma empresa privada, enquanto o primeiro é público e foi desenvolvido pelo próprio Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Por essas razões a OAB/SC fez o pedido de estudos e tem muita expectativa que haja realmente essa possibilidade técnica de adotar o e-proc em Santa Catarina. Sabemos que ele não foi desenvolvido para a justiça comum, mas sim para a esfera federal, e que atende menor demanda, pelo menos aqui em Santa Catarina, mas ainda assim nossa expectativa é que uma adaptação seja possível. Essa "vara-piloto" a que o desembargador Rodrigo Collaço fez referência, para nós, cria uma esperança enorme para que a implementação se demonstre viável.
JusCatarina - Na mesma entrevista, o presidente Rodrigo Collaço voltou a reafirmar que o desafio de sua gestão é fazer mais com os recursos disponíveis hoje. Em determinadas comarcas advogados convivem com precária estrutura física e reclamam até mesmo a criação de novas Varas. Para o senhor, é possível equacionar essas duas realidades? Como?
Paulo Brincas - Acredito que a fala do presidente Collaço diz respeito àquilo que todo cidadão brasileiro espera do Estado: a eficiência do gasto público, a melhor distribuição dos recursos públicos, que se faça mais com menos. A situação na Justiça Estadual de primeiro grau é muito ruim. E as deficiências são, volto a reforçar, a falta de funcionários (que chega a ser dramática em algumas comarcas), a falta de juízes e falta de estrutura. Conseguir reorganizar o emprego dos recursos financeiros para que se possa atender a população nesse sentido, ou seja, direcionar melhor o dinheiro já existente do contribuinte, acredito que deva ser realmente o grande norte da gestão que se inicia no Tribunal de Justiça e razão pela qual temos enorme expectativa e torcida para que esses desafios sejam vencidos e a Justiça esteja mais próxima do cidadão catarinense.
JusCatarina - Recentemente, o Pleno do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) atendeu procedimento administrativo da OAB no Tocantins e determinou que o Tribunal de Justiça daquele Estado ajustasse o modelo de pagamento de alvarás eletrônicos. Aqui em Santa Catarina há casos de advogados que foram retirar alvarás na segunda-feira e foram informados pela escrivã de determinada Vara que o procedimento só é realizado às sextas-feiras. Como a OAB/SC avalia essa situação?
Paulo Brincas - Esse problema existe, e no que diz respeito a alvarás, há também uma dificuldade ainda maior. O tempo transcorrido entre a determinação judicial de expedição dos alvarás e o saque por parte dos advogados e advogadas é absurdo. Sabemos que esse dinheiro fica depositado em conta única, rendendo em favor do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, mas nada justifica tamanha morosidade para o recebimento dos valores após a expedição da ordem judicial. Já temos uma reunião marcada com o Corregedor Geral da Justiça, desembargador Henry Goy Petry Júnior, para tratar desse assunto.
JusCatarina -Também há pouco tempo, a OAB/SC criou a Comissão de Startups, que já deu início às atividades de 2018. Na sua avaliação, qual o papel das novas tecnologias no aprimoramento e na maior agilidade da prestação jurisdicional?
Paulo Brincas - Essa questão da tecnologia tem nos preocupado muito porque não é algo que projetamos para um futuro distante, ou mesmo para daqui a alguns anos, é uma realidade já presente. Acredito que no decorrer deste ano e do próximo teremos a presença da chamada inteligência artificial fortemente nos escritórios de advocacia, inclusive com fechamento de postos de trabalho em nossa classe. Nós temos discutido muito isso aqui na OAB/SC. O assunto tem merecido enorme reflexão. Já o levamos para o Colégio de Presidentes de Subseções, para o Conselho Estadual, e agora o levaremos ao Colégio de Presidentes de Comissões. Nós temos 80 comissões temáticas e muitas delas especializadas nessa área. Várias propostas serão discutidas, no sentido de como aproveitar a tecnologia e não ser vítima dela. A ideia é essa, debater como podemos usufruir da tecnologia melhorando o desempenho profissional, mas sem tornar-se vítima dos seus efeitos. Nossos representantes têm acompanhado discussões mundiais a respeito e vão nos atualizar, para que possamos encontrar um consenso de como a advocacia deve se posicionar acerca disso.
JusCatarina - Santa Catarina conta atualmente com 2,6 milhões de processos, segundo dados do relatório Justiça em Números, do CNJ. Combater a cultura da litigiosidade é uma preocupação da OAB/SC?
Paulo Brincas - É sim. Na verdade essa é uma mudança de eixo que temos verificado na advocacia. A chamada "boa advocacia" do século XX era a advocacia agressiva, contenciosa. E isso mudou completamente. Hoje a advocacia está focada em resolver a demanda do cliente. Ninguém ganha com um processo judicial que vai tramitar durante décadas, seja qual for o resultado dele. A ideia é mesmo agilizar o Poder Judiciário, em grande parte, com as formas alternativas de solução de conflito, por exemplo. Temos apoiado essa mudança cultural, no sentido de nos adaptar e atender a expectativa da sociedade que, sem dúvidas, é um caminho promissor na busca pela pacificação social.
Fonte: juscatarina.com.br